- José Osterno
DIVINA ARTE

Eis a Poesia:
“Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.
Imagino Irene entrando no céu:
- Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença”.
MANUEL BANDEIRA, poema ‘Irene no céu’.
“Quando eu falo a palavra Futuro, a primeira sílaba já pertence ao passado. Quando eu falo a palavra Silêncio, o destruo. Quando eu falo a palavra Nada, crio algo que nenhum não-ser comporta”.
WISLAWA SZYMBORSKA, poema ‘As três palavras
mais estranhas’.
“Tu que me amaste com a falsidade
Da verdade – e com a verdade da mentira,
Tu que me amaste – mais longe
Que o espaço – além dos limites!
Tu que me amaste mais longo
Que o tempo – direita ao alto! –
Tu que não me amas mais:
A verdade em cinco palavras”.
MARINA TSVETÁIEVA, poema ‘Tu que me amaste
com a falsidade’.
“Meu corpo, minhas feições envelhecem:
Ferida de pavoroso punhal.
Suportá-la? Não sei como! Não tenho forças para suportá-la.
A ti recorro, Arte da Poesia,
Para ti me volto,
Que tens noções de fármacos e analgésicos,
Tentando narcotizar essa dor
Em fantasia e palavra.
Ferida de pavoroso punhal.
Favorece-me com teus fármacos, Arte
Da Poesia, que fazem – por um
Átimo – insensível a ferida”.
KONSTANTINOS KAVÁFIS, poema ‘Melancolia de Jasão
de Cleandro, poeta em Comage, 595 d.C.’.
Quando me deparo com coisas assim, de intensa beleza, penso: não pode ser apenas obra humana.
Não pode ser simplesmente obra de mulheres e homens “Que-não-podem... Que-não-podem saber tudo. Que-não-podem fazer tudo. Que-não-podem não morrer”[1].
E se, à poesia, se somam a ‘Serenata’ de Schubert e a ‘Anunciação’ de Da Vinci, então, não há mais dúvida: tem o dedo de Deus aí.
É Deus, o Midas Maior, a tocar a arte com o dedo, para transformá-la em Arte.
É o milagre do pão e do peixe renovado em imagem, som e palavra.
Por isso, o cantor canta: “essa Luz, só pode ser Jesus”[2].
Por isso, escrevi estes poemas:
DIVINA ARTE
Se Deus não existisse
Existiriam
O Bolero de Ravel
O Quixote de Cervantes
A Carmen de Bizet?
Quanto de nada
Haveria
No mundo
Sem Deus?
Sem Deus, sem jazz,
(Take Five, At Last).
Sem Deus,
Sem Hamlet e Shakespeare,
Sem Machado e Capitolina.
Sem Deus, sem arte
Divina.
Sem o dedo de Deus,
Os demais dedos (de Mozart,
Camus) não criariam.
Trabalhariam em vão,
Como Sísifo. E mortos,
Não sobreviveriam
À prova do tempo.
A MÃO SOBRE A MÃO
Deus me fará encontrar a forma – exata - do poema.
Deus me fará colocar a palavra – certa - no poema.
Deus me fará atingir o sentido – próprio - do poema.
Deus me fará alcançar a beleza – intensa - do poema.
Mas se tudo isto não vingar,
Por minha culpa, tão grande culpa.
Deus, por seu Amor,
Tão grande Amor,
Fará, por mim, o poema.
[1] SCHMITT, Eric-Emmanuel. O evangelho segundo Pilatos. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002, p. 14. [2] Roberto e Erasmo Carlos, na canção ‘Luz Divina’.